
Companhia das Letras publicará livro de Gisèle Pelicot em janeiro de 2026, em lançamento mundial
Livro de Gisèle Pelicot será lançado em 27 de janeiro de 2026
Quando publicou originalmente este O filantropo, em 1998, Rodrigo Naves soltou um bicho estranho na paisagem literária brasileira.
E estranho em qualquer paisagem, diga-se de passagem. Os leitores, as resenhas da época, todos notaram primeiro esse índice de desvio, essa falta de familiaridade. Aquilo, afinal, era o quê… Eram contos? Eram ensaios confessionais? Entradas de diário misturadas a anotações de leitura? Poemas em prosa? Arcabouço ou esqueleto de um romance (coisa que normalmente já vira romance mesmo sem querer ser…)?
O impacto da leitura ficou em quem teve a chance de ler na época. Mas, acima de tudo, restava essa sensação de "novidade".
Relançada agora, quase vinte anos depois, a criatura exótica de Rodrigo Naves não está domesticada. Continua sendo besta meio mansa e meio arisca, plumada mas quadrúpede, visível só de longe, sempre fugindo, mas parecendo chamar você para mais perto.
O livro continua sem igual.
Continua ponto fora de qualquer curva.
E o fato é que eu, aqui nas minhas modestas achações, ando tendendo a achar que hoje, em 2017, esse fator é, na verdade, mais importante ainda do que era em 1998. Lá, O filantropo era um livro forte, poderoso, que calhava de ser diferente. Lido hoje, sem ter perdido nadinha da força e do estranhamento, agora ele é ainda maior, e maior precisamente por ser inapreensível.
Porque a gente foi ficando bom demais em ser bom demais. Bom demais em narrativas ajeitadas, azeitadas, bem pesadas e pensadas. Em filmes, séries, e por vezes livros milimetricamente elaborados e, por isso, sempre em alguma medida parecidos demais uns com os outros. Daí a alegria (e o momento mais que oportuno) de poder assistir em 2017 a algo como a terceira temporada de Twin Peaks, mais que bem-vinda dose de "estranhamento" no entretenimento…
E será coincidência que esse Filantropo também retorne agora?
Será que o diagnóstico dessa perfeição excessiva não é só meu?
Será que estamos mesmo precisando de um resgate de certo quadradismo?
Esquisito profissional, o poeta Gerard Manley Hopkins escreveu em 1877 um curioso poema de louvor a toda e qualquer criatura malhada. Isso mesmo. Malhada. Maculada. Imperfeita. O poema, sua ode a tudo que seja vário, raro, contrário, se chama “Pied Beauty” e, como tudo que ele fez, é perfeito. E estranho.
E o que eu sei é que me vi pensando em David Lynch, pensando em Hopkins, pensando em querer eu mesmo escrever as minhas coisas durante a leitura de O filantropo. E só isso já me parece presente bastante. Felicidade.
Eu me senti extremamente feliz de ouvir a voz lírica e cortante, evocativa e clínica do Filantropo, feliz de poder provar desse seu curioso estar entre dois mundos, entre a polifonia e a câmera da prosa, de um lado, e do outro aquele misterioso dom da cirúrgica imprecisão, da medida vagueza que faz que os melhores poemas pareçam sempre poder dizer o que mais se esforçam para deixar em silêncio.
O filantropo não é um romance e, por ser cacos de um romance, consegue ser mais que romance.
O filantropo não é poesia e, por ter lascas de poesia, consegue ser mais que poema em prosa: prosa (e quem há de negar que esta lhe é superior? Como disse o Caetano).
Não sei em que medida o título pôde (ou quis) ser lido em chave irônica, lá, vinte anos atrás. Mas o fato é que não consigo deixar de pensar que, hoje, é de fato um ato de efetiva filantropia soltar de novo na paisagem o bicho desgrenhado, alado, esquivo, esquisito, escandaloso e esdruxulamente intrigante que é O filantropo.
Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.
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Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.
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