Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
No dia 30 de setembro, comemora-se o Dia Internacional da Tradução. A Companhia das Letras realiza este ano uma homenagem ao ofício: convidamos cinco tradutores de diferentes estilos literários para escrever depoimentos sobre suas trajetórias profissionais. O segundo texto do especial é de Regiane Winarski, que traduz, entre outros autores, o mestre do terror Stephen King.
Leia também o texto de Denise Bottmann.
Era uma vez uma garotinha, leitora ávida, que descobriu um conto chamado “O fantasma”, escrito por um tal de Stephen King e publicado no livro Sombras da noite. Essa garotinha ficou louca com o conto e quis conhecer mais daquele autor. A partir daí, procurou tudo que havia dele traduzido e publicado no Brasil. Essa garotinha era eu. E foi assim que me tornei fã de Stephen King.
Aí você pode estar pensando: legal, foi por causa dos livros do King que ela quis ser tradutora. Não. Eu não quis ser tradutora. Quis ser engenheira química, mas acabou não dando muito certo... e foi meu amor pelos livros que me levou a estudar produção editorial e meu amor pelo inglês que me levou às salas de aula por dez anos. Mas e a tradução? Foi a maternidade que me deu a tradução. Ter um bebê me fez querer ter uma profissão que me deixasse mais disponível, mais presente. Abandonei a vida de professora e fui estudar e tentar aprender sobre essa atividade que eu nunca tinha executado, mas com a qual flertei quando escolhi o tema da monografia da faculdade.
A vida no mercado editorial é meio imprevisível, mas aconteceu. A história é sinuosa e cheia de detalhes, mas o sonho de traduzir Stephen King, que nasceu com a profissão, sempre esteve presente. Em 2013 veio minha grande chance: fazer a nova tradução de It: A coisa, um dos livros mais conhecidos do autor e o segundo mais extenso, com 450 mil palavras no original.
Não é exagero dizer que foi o maior desafio da minha carreira. Foram nove meses de trabalho e sentimentos constantes de conflito por amar tanto o livro e os personagens e acabar ficando meio cansada deles de tempos em tempos. Mas consegui ir até o fim, e foi It que abriu as portas do autor pra mim.
Hoje, já são 11 livros traduzidos (dez publicados e A pequena caixa de Gwendy, que será lançado em breve), um conto gratuito e os trechos extras de O iluminado da coleção Biblioteca Stephen King, além do meu companheiro de trabalho da vez. Até onde consegui descobrir, a pessoa que acumulava mais traduções do autor assinava nove livros dele. É, o orgulho mal cabe no peito.
Olhando para trás, King é como um velho amigo. Eu e ele nos conhecemos na minha adolescência, e nossa amizade se solidificou ao longo dos anos. Tivemos desentendimentos e alguns afastamentos, mas ele sempre esteve lá, na estante, me olhando. Nosso reencontro foi conflitante e difícil, mas maravilhoso e gratificante. Agora, somos companheiros das manhãs e trabalhamos juntos para levar as palavras dele aos ávidos leitores.
Com o Dia do Tradutor se aproximando, não posso deixar de olhar para trás e refletir sobre esse caminho, que me trouxe a uma carreira tão rica e gratificante. Foram aqueles livros lá atrás que alimentaram meu prazer pela leitura, trabalho de tantos tradutores esquecidos que me doaram suas palavras, para o meu entretenimento. Guerreiros que trabalhavam em textos sem a ajuda da internet, cercados de dicionários e gramáticas de papel, empenhados em traduzir da melhor forma possível não só o idioma, mas a mensagem, a ideia. Obrigada, meus precursores, que tanto me inspiraram a me tornar o que sou hoje e tanto me deram, sem que eu nem percebesse na época. Hoje, além de tradutora, luto pela visibilidade e reconhecimento da minha profissão, e sonho em inspirar e motivar jovens leitores a lerem sempre mais e quem sabe enveredarem por esse caminho tão mágico.
Regiane Winarski é formada em produção editorial pela ECO/UFRJ e trabalha como tradutora desde 2009. Traduz livros de vários gêneros, como os de terror e suspense do Stephen King, e de vários segmentos, como literatura Young Adult. Mora no Rio de Janeiro e gosta de ler nas horas vagas, mesmo depois de passar o dia lendo.
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