“Brincriações” musicais na escola

31/05/2019

 

No último fim de semana, educadores se reuniram na Ciranda de Filmes para partilhar experiências sobre o ensino musical na infância. Num encontro de múltiplas vozes, dentre todas as histórias compartilhadas, uma nota comum organizou a sinfonia: música é território de experimentação. Tentativa e erro. Prática e improviso. Claudia Freixedas, Jorge Fofão, Roseli Novak e Teca Alencar de Brito, integrantes da roda de conversa, falaram sobre suas vivências na área em que atuam, inspirando novos caminhos nesse fazer artístico com as crianças.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Convidados a contar sobre suas primeiras lembranças musicais, as respostas dos professores foram variadas. Teca, que faz música com criança há mais de quatro décadas, lembrou que desde pequena sua mãe lhe dizia que seria pianista. O pai, por sua vez, deixava a previsão aberta a dúvidas, "para eu ser o que quisesse ser". No final, o equilíbrio entre uma parte da família mais rigorosa em relação aos ensinamentos musicais e outra mais permissiva possibilitaram que Teca desenvolvesse e explorasse diferentes vertentes. O erudito e o popular. A leitura atenta das partituras e a facilidade em tirar músicas de ouvido. A mistura da Alemanha clássica com um Ceará (estado de seu avô) mais intuitivo.

Para a educadora Roseli Novak, os acordes da infância que ainda ressoam na cabeça são aqueles escutados no carro dos avós, nas viagens em família que fazia. As fitas cassetes carregavam grandes nomes, Beethoven, Ravel, Chopin. Menção Honrosa do Prêmio Arte na Escola (2018) e finalista do Prêmio Educador Nota 10 (2015) com projetos realizados com crianças de 7 e 8 anos, em que a brincadeira livre leva a um estado de criação que se transforma em fazer musical, hoje, a educadora não tem só a melodia clássica pautando suas escutas, claro. Desse processo do brincar, advém uma escuta orgânica, "brincriações musicais", ela define.

Jorge Fofão, sobre seu primeiro contato com música na cidade onde nasceu, brinca: "Olinda é uma cidade onde a cada 50 moradores 49 são músicos". A música o cercava, era o mar, a natureza e as próprias pessoas, energizadas pelo frevo. Hoje, educador social, dançarino e percussionista, conta que a música o salvou de muitas situações difíceis que amigos próximos a ele tiveram que enfrentar. Ainda que tenha sido necessário encontrar a música para se desviar dessas situações, ele acredita que se trata de uma matéria inerente ao ser humano. "A música está dentro da pessoa. Se você está vivo, precisa se manifestar." Música é expressão. 

Sendo assim, é consenso entre os quatro educadores convidados que essa linguagem seja tratada com liberdade criativa, sobretudo, na primeira fase da vida, a infância. Claudia Freixedas, superintendente educacional do Projeto Guri, relata uma reestruturação no programa que, agora, passa a considerar "caminhos mais abertos na educação musical". Para exemplificar, ela citou uma prática empreendida por alguns dos professores: iniciar as aulas musicais com yoga que, assim como a música, pede por um momento de quietude, concentração e autorreflexão. Sincronizar corpo e mente, para que, depois da aula (ou por que não durante o encontro?), os efeitos aos processos criativos sejam de expansão.

 

Foto Samuel Macedo

 

Lidar com o ensino musical de maneira mais diversa aponta para um diálogo com outras linguagens artísticas. No Projeto Guri, por exemplo, os alunos propõem atividades e, em certas ocasiões, pedem para pintar. Esse aproveitamento do potencial imaginativo das crianças atrelado à percepção de que suas ideias são respeitadas e valorizadas resulta em momentos de aprendizado mais proveitosos, segundo a diretora do projeto. "Se a gente dá espaço [à inventividade delas], as descobertas começam a acontecer", Claudia concluiu. 

Teca, que desenvolve essa ideia em seu livro Um jogo chamado música – Escuta, experiência, criação, educação (Editora Peirópolis), afirma que a música precisa ser entendida como um sistema aberto e em movimento. É assim que as crianças a percebem. Lugar sem muitas regras como ensinam os conservatórios, com divisões em sistemas tonais e modais. 

Ela se recorda de um episódio em que um garoto chegou em sua escola de música para ser matriculado, sentou-se ao piano e disse para mãe que não precisava fazer aulas. Já sabia tocar o instrumento, era só apertar as teclas que o som saía. A criança, sim, já faz música, o tempo todo. E a compreensão dessa entrega à música, enfim, vem por meio da definição de uma criança de 6 anos que ainda permanece na cabeça da professora colecionadora de frases saborosas de seus diversos alunos nas últimas décadas. "Quando a gente escuta música, a gente vira só um ouvido.” Ao que ela completa: “Então, é como se a gente ouvisse com o corpo inteiro".

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog