Tempo de férias e retorno à escola

27/07/2021

Por Lourdes Atié

Um pouco do contexto

Finalmente as férias chegaram para as escolas brasileiras, neste ano que ainda segue pandêmico. Passamos por muitos equívocos, expectativas, dúvidas e descobertas, que têm tornado o período 2020/21 inesquecível e, infelizmente, na maioria das vezes, de forma negativa.

LEIA MAIS: O que acontecerá quando as aulas voltarem?

Ilustração: Bicho coletivo

Com mais de meio milhão de pessoas mortas pela covid-19, com apenas 6,6% das escolas públicas do país com acesso gratuito à internet para que os alunos pudessem estudar durante o fechamento das escolas, o contexto pandêmico trouxe muitos desafios e tornou mais visível aquilo que era naturalizado – a profunda desigualdade social e educativa do país, em que os mais prejudicados são justamente o que mais precisam de atenção.

Temos vivido tempos que exigem muita determinação dos profissionais da educação. Na verdade, mesmo constatando que os professores têm salvado a escola, qualquer que seja ela, ainda temos muita batalha pela frente, afinal estamos vivendo uma grande revolução mundial.

Posso afirmar que as férias chegam com os professores, coordenadores e diretores das escolas absolutamente exaustos. Este “definhamento” é resultado de muito trabalho e muita frustração, ao tomarem consciência de que tudo que sabiam para suas aulas presenciais não funcionou como gostariam no formato remoto. Foi preciso se reinventar, buscar novos caminhos, viver a frustação dos resultados alcançados e a consciência de que era preciso seguir, fazendo malabarismos para conseguir o melhor possível.

LEIA MAIS: Como é ser professora de educação infantil na pandemia?

No caso dos alunos, aqueles que têm condições e recursos para aprender de forma virtual, também estão exaustos pelas muitas horas que passaram diante das telas, sem que a escola entendesse que a atenção para aprender de forma presencial é completamente diferente diante das telas, sendo pior ainda se a tela for a de um celular. Viveram a frustação do excesso, mas também outro tipo de frustação que foi a da falta, para aqueles que não tiveram condições de acessar a internet. Materiais impressos para aqueles sem internet não conseguiram ajudar como se esperava, para que todos aprendessem de forma autônoma.

Modelo de participação e engajamento, Greta
Thunberg é um exemplo para as escolas. Leia +.

E agora, o que aparece nas mídias, pesquisas e estudos é o déficit de aprendizagem que os alunos estão apresentando, como se fosse uma descoberta surpreendente. Déficit em relação a quê? Quais os parâmetros de comparação? É possível comparar o tempo presencial antes da pandemia, com o tempo de escolas fechadas, com ensino remoto ou nada de ensino? Mais uma vez no Brasil, a culpa é do doente que adoeceu, ou seja, os estudantes sendo culpabilizados por não apresentarem os resultados esperados. Não se questiona o valor dos resultados, mas miram as vítimas. Até quando?

Agora o Brasil se prepara, sem diretrizes nacionais e na maioria das vezes no total casuísmo, para os alunos voltarem às salas de aula presenciais. Enquanto os gestores se preparam para enfrentar uma nova encrenca, não podemos esquecer que agora os alunos estão de férias. Para muitos, férias, sinônimo de abandono, desde quando as escolas fecharam; para outros, um tempo de respiro. Então, o que podemos conversar sobre isso?

LEIA MAIS: Como será quando as escolas reabrirem?

 

Tempo de férias

Como os alunos estão desfrutando deste tempo de férias na pandemia? Acho que com expectativas sobre como será a volta aos prédios das escolas. Mas enquanto isso não chega, que tal pensarmos um pouco nas crianças? Então compartilho aqui algumas coisas em que ando pensando.

Ilustração: Bicho coletivo

Antes de mais nada, vamos colocar todo mundo para fora de casa e, de preferência, junto à natureza; se não for possível, a rua está valendo. Não vale sair de casa para internar em um shopping center. Criança não é tatu! Precisa sair da toca e caminhar, correr, sentir o sol no corpo, olhar a natureza, admirar o céu, os animais, observar as pessoas nas ruas. Se os shoppings estão cheios e as praças vazias, é um indicador do quão educadora a cidade é.

Desfrutar da cidade não tem um sentido utilitário. É apenas deixar fruir, ficar à toa, se entregar ao ócio, fundamental para que sejamos criativos, mesmo em tempos tristes. Sair de casa é para brincar também. Até um simples giz pode gerar mil brincadeiras! Tudo com os cuidados sanitários necessários para evitarmos a contaminação por covid-19, porque a pandemia não acabou.

Isso significa que as telas precisam ficar proibidas – seja celular, tablet, computador ou televisão. A dica é sair da tecnologia para olhar verdadeiramente para fora e desintoxicar das telas – simplesmente brincar, porque não é o brinquedo que importa, mas a capacidade de imaginar e criar com qualquer objeto que julgar interessante.

Outra dica é ler, outra forma de sair também. Seria muito bom se as pessoas, livrarias e bibliotecas disponibilizassem livros de literatura infantil e juvenil pelos espaços livres, mas os didáticos ficam proibidos. É preciso radicalizar! Basta estender um pano no chão, colocar uns livros e convidar as crianças para chegar. Se tiver alguém para contar histórias ou ler livros, melhor ainda. Além da leitura, os livros podem ser também um ponto de partida para muitas outras aventuras.

A literatura é fundamental! Ela salva nossa imaginação, nos ajuda a entender o que estamos vivendo e nos tira de tempos tão difíceis para mergulhar em outras “viagens”. Isso significa recarregar as baterias da nossa saúde mental, para enfrentar o que não sabemos que virá. A ideia é sonhar, imaginar, brincar e se divertir de forma plena, valorizando cada minuto vivido.

LEIA MAIS: A centralidade da literatura no retorno das aulas presenciais

Enquanto as crianças brincam, sem esconder delas que ainda estamos numa pandemia e todos os cuidados seguem sendo indispensáveis, mas que mesmo assim é necessário seguir vivendo, como será que os professores estão?

Eles estão conseguindo descansar? Conseguiram reservar um tempo para ficar à toa ou simplesmente estão se enchendo de tarefas domésticas? É fundamental o descanso, algo como obedecer a uma prescrição médica. São poucos dias, mas o sol, a natureza e a literatura têm poderes restaurativos poderosos e não podemos perder tal oportunidade.

Mas enquanto as férias acontecem, as escolas também estão planejando a volta às aulas presenciais.

 

Férias também é tempo de planejar a volta às aulas

Para os gestores, tem muita coisa para preparar a volta aos prédios, mas, para quem ainda não vai voltar imediatamente, tenha certeza de que será apenas um adiamento, porque a abertura das escolas é prioridade máxima. É seguro. Lugar de aprender não é pelas telas, mas na interação entre humanos e de forma presencial. Isso não quer dizer que vamos execrar o mundo digital. Ele veio para ficar, com certeza. Mas está a serviço dos humanos e não o contrário!

Também é bom descaracterizar a ideia de que fazemos ensino híbrido. Esta palavra quer dizer que não é nem uma coisa nem outra. Híbrido mesmo, nestes tempos pandêmicos, é o professor que nem ficou no presencial nem no virtual. Ele ficou lá e cá; na verdade, em lugar nenhum.

LEIA MAIS: Que escola seremos capazes de construir na pós-pandemia?

É tempo de escolher se vamos fazer uma escola de medo ou de confiança. Por isso, o tempo pede calma. Não se preocupem se os alunos voltarem desmotivados, com dificuldades de todos os tipos, frente às tarefas escolares. Lembrem-se: a pandemia afetou a todos nós. Então, o que importa não é o resultado das avaliações, mas a convivência que a escola possibilita. A aprendizagem se recupera. O desafio é provar para os alunos que a escola é fundamental e insubstituível. E seguir encantando pelo conhecimento é o único caminho de combate à barbárie.

Cada pessoa na multidão tem uma
história de vida que importa muito. Leia +.

É também uma grande oportunidade de fazer mudanças corajosas, tanto no currículo como no funcionamento da escola. Tudo que já sabíamos que não funcionava, tenham coragem de eliminar. Façam da escola um espaço com a cara de todos que nela habitam e não esqueçam que os alunos são pessoas, sujeitos de direito. Portanto, precisam ser ouvidos.

É hora de os adultos aprenderem também com os menores. Tenham menos certezas. Corram mais riscos. Se aventurem! Este movimento é necessário para as transformações emergenciais. Não são mudanças baseadas em modismos. Não! São mudanças construídas coletivamente, num clima democrático, com escuta apurada e muito diálogo e estudos.

Em tempos de tanto ódio, precisamos recuperar nossa capacidade de dialogar. Lembrando que o diálogo tem sido sacrificado em benefício de soluções mágicas ou espetaculares e ainda com muito imediatismo. Mas sem diálogo não há educação, pois ele é imprescindível para a convivência democrática. Aproveite para refletir que espaços de diálogo sua escola cultiva.

Não podemos pensar somente na escola onde trabalhamos ou nossos filhos estudam. É hora de toda a população de uma cidade se comprometer com a educação. É uma questão de cidadania e não um problema para as secretarias de educação.

Depois de tantas perdas, tantas dificuldades, não podemos aceitar que uma escola seja de sucesso, com outras precárias, que acumulam fracasso de toda ordem. Não podemos mais naturalizar tanta desigualdade. É injusto! Todas as escolas precisam ser encantadoras. Não como um parque de diversões, mas como um lugar profícuo, feliz para aprender e conviver. Afinal, frente ao medo e ao ódio, vamos fazer uma educação de esperança. O estabelecimento e fortalecimento de redes de apoio, em regime de colaboração, é fundamental. Uns ajudando outros, todos aprendem e vivem melhor.

Enfim, vamos desfrutar das férias e planejar uma escola verdadeira, com a cara de cada lugar, com a certeza de que temos uma grande oportunidade de fazer as mudanças que sempre sonhamos. E aí, vamos perder esta oportunidade? Depende só da gente!

Lourdes Atié é socióloga, consultora de educação e trabalha com formação de professores.

***

Leia mais: 

Máscaras e escola – o que podemos refletir?

+ Por que Greta deveria ser um modelo para as escolas??

+ Como pode ser o currículo de leitura na educação infantil e nos anos iniciais?

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog