Como lidar com a birra das crianças - e segurar as nossas emoções

07/02/2025

Os dinossauros estão em um dia da-que-les. Os homens (ou crianças) das cavernas pedem para eles irem para um lado… mas as criaturas vão para o outro. Pedem para que parem de correr - mas os bichos passam a correr ainda mais rápido. Não tem acordo. Por que será que está tudo tão difícil? Em O parque dos dinossauros (Companhia das Letrinhas, 2025), de Dipacho & Juan Camilo Mayorga, é impossível não reconhecer nos coloridos animais jurássicos o mesmo comportamento de crianças pequenas em seus dias mais difíceis, quando a birra reina solta.

Ilustração de 'O parque dos dinossauros'

Os dinossauros de repente param de cooperar. O que está acontecendo em O parque dos dinossauros? (Companhia das Letrinhas, 2025)

 

O consolo é que apesar de gerar uma enorme frustração em pais e cuidadores, a birra é algo natural, na medida em que faz parte do desenvolvimento e do amadurecimento das crianças. “É certo dizer que a birra é uma situação de descontrole emocional, porque muitas vezes as crianças realmente não têm essa resposta racional que os adultos supostamente têm às frustrações e à raiva”, explica a psicóloga Elisa Mota Iungano,que gerencia o perfil de Instagram Entrelaces Psicologia.

A própria palavra birra é usada muitas vezes de uma forma estigmatizada, denotando mau comportamento. Mas não é nada disso. A birra passa por uma questão de maturação cerebral, que é neurológica, mas também tem a ver com uma questão de controle das emoções. “A criança vive muito no presente. Quando ela se frustra, responde com todas as emoções, como todo o corpo, porque ainda não entende que aquilo vai passar”, explica Elisa. 

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A birra dói nas crianças - e pode doer nos adultos também 


Não, seu filho não está sendo mal educado ou ingrato quando ele se joga no chão porque você cortou a banana em rodelas em vez de deixá-la inteira. Ou porque pediu para comprar um pacote de bolacha no mercado e você disse não. Para a criança, acontecimentos aparentemente banais podem ganhar uma dimensão exagerada, porque para ela são realmente o mundo inteiro naquele momento. Os pequenos ainda não têm essa dimensão do que vem depois. É tudo ou nada. É por isso que reações tão intensas são desencadeadas quando algum desejo não pode ser atendido.

Ilustração de 'O parque dos dinossauros'

Era só pedir uma coisa que os dinossauros faziam o contrário... ilustração de O parque dos dinossauros (Companhia das Letrinhas, 2025)


Se para as crianças a birra é uma questão de descontrole emocional, para os adultos pode gerar tanto uma sensação de falta de controle da criança - como quando citamos no livro dos dinossauros sobre a parte em que eles deixam de obedecer, "do nada - quanto das suas próprias emoções. Muitas vezes o grito e o choro dos pequenos podem servir de gatilho para os adultos, trazendo à tona a forma como eles mesmos lidam com as próprias frustrações. E isso dói.

Além disso, a exposição aos choros e gritos dos filhos podem fazer soar uma espécie de alarme de emergência nos pais. Há estudos, inclusive, que investigam este tipo de resposta biológica. Um deles, publicado pelo Proceedings of the National Academy of Sciences em 2017, analisou mães de 11 países (incluindo o Brasil) expostas ao choro de seus bebês. A conclusão é que o pranto pode despertar tanto empatia e o impulso de cuidar como negligência e até situações de abuso.

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Para lidar com a birra não tem fórmula mágica

Embora nas redes sociais não faltem dicas e protocolos do que fazer - e do que não fazer - para manejar episódios de birra, não há uma resposta única. Especialmente muitos educadores parentais, amparados pelos princípios da educação positiva, têm trazido orientações sobre como os pais podem manter a calma e acolher a criança em seus momentos mais desafiadores. O problema é que não é tão simples assim colocar a teoria em prática e muitas famílias relatam se sentirem frustradas quando o protocolo não funciona. “Minha ressalva com a educação positiva é sobre como ela generaliza as pessoas. Muitos pais não conseguem segurar a onda e seguir essa cartilha. Muitas vezes porque não é só uma questão do que fazer, mas de aquilo responder ao que os próprios adultos sentem naquele momento”, explica Elisa.

É preciso encarar que nem sempre é possível manter a calma. Nem sempre há a opção de trocar de lugar com outro adulto para conseguir respirar um pouco antes de lidar com a frustração da criança. 

Os adultos também têm dias difíceis e tudo bem. “Abaixar um pouco a expectativa de que a gente vai sempre conseguir trazer uma resposta calma, uma resposta equilibrada, controlada, já ajuda um pouco. Não acho que seja um problema, por exemplo, a criança perceber que a gente ficou brava. Isso acontece porque nós também somos humanos”, completa a psicóloga. 

Outra orientação que faz parte dessa abordagem da educação positiva é tentar acolher a criança no momento da birra - o que em teoria é bom, porque é um esforço de demonstrar empatia. No entanto, nem toda criança quer ser acolhida em um momento de raiva. Algumas querem colo e abraços; outras, preferem ficar sozinhas, não deixam que ninguém se aproximem e até ficam mais nervosas quando há uma tentativa de acercamento. De novo: não tem fórmula mágica. A educação positiva pode ajudar as famílias uma vez que traz muitas ideias, muitas percepções que podem ser bem ricas e estimulam os adultos a terem empatia com as crianças em momentos de descontrole. “Há todo esse repertório com formas possíveis de lidar. E isso é bacana”, aponta Elisa.

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O que pode ajudar a lidar com a  birra

Ilustração de 'O parque dos dinossauros'

A falta de sono pode, sim, ser gatilho para birras. Que tal uma sonequinha? Ilustração de O parque dos dinossauros (Companhia das Letrinhas, 2025)
Independentemente do que faça sentido para a sua família, uma dica é tentar se separar um pouco emocionalmente da criança na hora que a birra explode. “Nós sabemos que aquela frustração que a criança sente vai passar. Ela não sabe. Então, quando a gente consegue fazer essa separação, que é um certo equilíbrio entre não se misturar com a criança sentindo a mesma coisa e, ao mesmo tempo, também não se alienar, ou seja, não ficar apartada ou insensível com o que a criança sente, fica mais fácil de lidar”, explica Elisa. Ela também elenca algumas dicas que podem apoiar as famílias nesses momentos de descontrole - e até evitar que eles comecem:

Dar previsibilidade - muitas vezes a frustração pode ser prevenida quando a criança está por dentro do que vem a seguir. Se você vai levar seu filho ao mercado, antecipe o que vai acontecer e apresente o que ele tem em termos de possibilidade. Por exemplo: “Hoje, vamos comprar leite, pão e ovo. Você pode escolher um biscoito ou uma fruta, mas hoje não vamos levar brinquedo”. Assim, a criança pode se preparar para o que está por vir.

Contornar gatilhos conhecidos - em Parque dos dinossauros, os homenzinhos das cavernas se perguntam se os dinos estão tão difíceis porque precisam tirar um soninho… Sim, fome, sono podem fazer sentimentos difíceis se tornarem ainda mais explosivos… Se você sabe o que mexe com as emoções do seu filho, não deixe chegar a um ponto crítico. Se a criança costuma sair da escola com fome, leve na bolsa um lanchinho. Se fica irritada quando não dorme o suficiente, reprograme a hora de dormir para mais cedo. 

Entender a melhor forma de acolher aquela criança  - nem toda criança quer proximidade física para ajudar a regular as próprias emoções. Como você pode se fazer presente? Como pode dar o espaço que ela precisa? O que funciona com a sua criança? Cantar uma música, ajudá-la a se distrair, estar presente no mesmo ambiente a uma certa distância ou respeitar o momento dela de solidão? Só testando para saber o que dá certo com cada um. Tem criança que precisa de tempo para se acalmar antes de ser acolhida.

(Texto: Naíma Saleh)

 

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