Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"

“Meu peito está batendo bem forte, mas é de choração”.
Foi o que disse minha filha de três anos quando soube, na semana passada, da partida da minha mãe, avó dela. Com essa frase ela consegue dar conta de dizer algo que estou sentindo em relação à morte, mas que é algo turvo, da ordem do indizível – e que talvez agora possa encontrar expressão numa linguagem fresca e nova, como a dela.
Se por um lado fico imersa na melancolia, na prostração, no silêncio, por outro lado eu e ela estamos num momento de comoção muito intenso, do peito batendo forte, de um pathos que me faz pensar no pranto das carpideiras -- de que fala Didi-Huberman, ou no choro infantil, que expressa intensamente uma emoção.
O peito está batendo bem forte, descontrolado, mas é de choração.
Sempre ouvi que os mortos ficam na lembrança, na memória, e que permanecem vivos nos gestos, palavras, histórias. Trago o nome da minha mãe dentro do meu (foi o que falei na semana passada num post sobre ela): Lia cabe em Marí.lia. Desde que aprendi a escrever meu nome, soube da associação: eu sou “mar” e “lia” juntos, o mar e a mãe.
Mas o que significa levar a mãe só na memória, na lembrança, na letra do meu nome? Não sei. Talvez seja algo da ordem do peito batendo forte quando uma memória nos atravessa. Da ordem da choração.
Chorar vem do latim plorare – numa etimologia inventada, “choração” poderia vir de chorus, coro, ou dança dos astros. A choração é o pranto batendo forte no peito, mas também o coro, as vozes que repetem palavras e gestos, que dançam no céu a coreografia de quem se foi.
Marília Garcia nasceu em 1979, no Rio de Janeiro. Publicou, entre outros, Um teste de resistores (7letras, 2014) e Câmera lenta (Companhia das Letras, 2017; vencedor do Prêmio Oceanos de Literatura 2018).
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