Faz cinquenta anos que o pato pateta pintou o caneco e que ninguém pode entrar na casa que não tinha chão. Em homenagem ao aniversário do poetinha Vinicius de Moraes e ao meio século de publicação e sucesso de A arca de Noé, os ilustradores das edições da Companhia das Letrinhas - Laurabeatriz (1991), Nelson Cruz (2004) e Silvana Rando (que ilustrou A casa em 2020) - contam um pouco sobre a criação para um dos principais nomes da poesia brasileira.
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Capa de A arca de Noé da Editora Sabiá
A arca de Noé, que compilou poemas criados para os filhos mais velhos do poeta, Susana e Pedro, foi publicado pela primeira vez em 1970 pela Editora Sabiá. No mesmo ano, na Itália, saiu o álbum "L’Arca", com os poemas musicados para crianças, e fez um grande sucesso. Dez anos depois, foi lançada a versão brasileira do disco, com interpretações de Chico Buarque, Ney Matogrosso, Elis Regina, Milton Nascimento, Bebel Gilberto, entre outros.
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Laurabeatriz acredita que A arca marcou seu início com as ilustrações de animais. E sua versão do livro, em bico de pena e nanquim, guarda semelhanças com a ilustrada em 1970 por Marie Louise Nery, ainda que ela não conhecesse o trabalho da artista na época.
Ilustração de Marie Louise Nery para a edição da Editora Sabiá
Nelson Cruz contou que “esses poemas do Vinicius estiveram presentes em várias etapas da minha vida. Li e cantei para sobrinhos, filhos de amigos, meus filhos. Descubro que essa paixão pelos poemas d’A arca de Noé fez de mim, de certa forma, um viajante do meu tempo”.
E Silvana Rando revela que quase desistiu de ilustrar A casa “pela responsabilidade de ser do Vinícius". "Era um desafio muito grande para mim. Foi difícil chegar a alguma ideia, mas depois, quando achei a solução, foi tudo muito prazeroso e muito gostoso de fazer. Foi emocionante fazer parte dessa coleção com os poemas e músicas que eu ouvia quando criança, que fizeram parte da infância de tantas pessoas, de tantas idades, foi maravilhoso”.
A arca de Noé por Laurabeatriz, na edição de 1991 da Letrinhas
Confira abaixo a conversa:
1) Qual seu bicho preferido da arca do Vinicius?
Laurabeatriz: Uma escolha difícil. Gosto do pinguim, da cachorrinha e do mosquito tocando violino.
Nelson Cruz: Tenho preferência pela girafa. Que gigantismo, que arquitetura e leveza ela tem. Embora o mundo dos animais seja vasto e maravilhoso, a girafa me traz esse mistério. No silêncio que carrega, o que ela pensa e vê?
Silvana Rando: Gosto dos pássaros.
Ilustração de Nelson Cruz para a edição de 2004 de A arca de Noé
2) E seu poema preferido?
Laurabeatriz: Das poesias, gosto muito de "A corujinha"!
Nelson Cruz: Fico entre "O pato" e "A casa". os dois poemas tiveram presença marcante na infância de meus filhos. Ao mesmo tempo em que também esses poemas nos mantinham em uma dose de infância que nos adocicava a vida de pai e mãe.
Silvana Rando: Meu poema preferido quando eu era criança era "O pato". Eu cantava muito, lembro da minha mãe cantando pra mim, tenho uma memória afetiva enorme com o pato. Eu achava muito engraçado o ritmo, as palavras; é o meu preferido.
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3) Você tem um carinho especial por alguma das ilustrações do livro?
Laurabeatriz: Das ilustrações, “A morte do meu carneirinho”.
Nelson Cruz: Tenho um carinho silencioso pela ideia da ilustração do poema "São Francisco". Nela, os animais vão caminhando, enquanto aparecem apenas os pés de São Francisco, que vai a frente, levitando.
Silvana Rando: Meu animal preferido da história são os pássaros, eles que fazem toda a graça do livro e a surpresa final, quando montam uma casinha. E são os mais espertos, né? A brincadeira "na rua dos bobos número zero" seria que os outros ficaram como bobos, por não terem percebido que os pássaros estavam levando algumas partes pra fazer a casinha deles.
Ilustração de Silvana Rando para A casa, poema de A arca de Noé que virou livro
4) Você chegou a ler (ou alguém leu pra você) o livro quando era criança?
Laurabeatriz: Li para meus filhos, que também ouviam o disco, muito bom!
Nelson Cruz: A minha casa de infância não era uma casa de livros. Livros eram caros e não entravam no orçamento da casa. Entretanto, aos domingos comprava-se jornal regularmente. Ou seja, havia um hábito de leitura semanal. Somente na entrada da adolescência, descobrindo a Biblioteca Pública de Belo Horizonte é que encontrei, não só A arca de Noé, como os outros tantos livros de Vinicius e outros autores.
Silvana Rando: Eu não cheguei a ler “A casa”, conhecia muito a música, tinha até um clipe na TV, mas não era muito comum ler poema, a não ser na escola.
5) Quanto tempo você levou para fazer as ilustrações?
Laurabeatriz: Não me lembro quanto tempo demorei...
Nelson Cruz: Levei cinco meses para ilustrar esse livro. Foram trinta dias para leitura, estudos, pesquisa de imagens, criação e elaboração de leiaute. Em seguida, mais trinta dias para redesenhar o leiaute nos papeis onde as ilustrações seriam pintadas. A partir daí, a pintura levou de dois a três meses pra ser trabalhada.
Silvana Rando: Criar as ilustrações foi muito mais demorado do que produzir. É um livro pequeno, tem alguns detalhes, mas para chegar nessa ideia foi o que demorou mais tempo. Não sei dizer se foram dois ou três meses no total, mas o processo de criação demorou um bocado, e a produção depois foi mais rápida.
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6) Quais materiais você usou?
Laurabeatriz: As ilustrações foram feitas com bico de pena e nanquim.
Nelson Cruz: Nessas ilustrações, usei a caneta nanquim 02 para o desenho e a tinta acrílica Polycolor para a pintura. A tinta acrílica é solúvel em água, portanto, não é tóxica e seca rapidamente, ajudando muito em improvisos e plasticidade da ilustração.
Silvana Rando: Lápis grafite, lápis de cor e computador.
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