Livraria: o lugar mágico que abriga todas as histórias
Apresentamos 10 razões que explicam por que as livrarias são lugares tão incríveis e que vão te convencer a participar da nossa campanha de fim de ano “Todas as histórias cabem aqui”
Não tem que ensinar. Não tem que apresentar uma moral. Nem tem que divertir ou entreter. Mas, sim, os livros também podem fazer tudo isso. Aliás, quando se olha para a literatura infantil, há muitos exemplos de livros que parecem feitos para brincar.
As portas transformadas em abas aguçam a curiosidade dos leitores: quem receberá as cartas do Sr. Urso?
As meias do sr. Raposo (Brinque-Book, 2025) e O urso carteiro (Brinque-Book, 2025), novos lançamentos dos veteranos Julia Donaldson e Axel Scheffler com tradução de Adriane Piscitelli , são livros cartonados interativos que sintetizam bem essa proposta brincante que a literatura pode ter. No primeiro, os pequenos leitores são convidados a ajudar o sr. Raposo a encontrar suas meias - e, levantando as abas, vão descobrindo uma porção de objetos durante a busca… No segundo, o urso escreve cartas para seus amigos. Ao abrir as portas transformadas em abas, os destinatários das correspondências vão se revelando, criando um efeito de surpresa. Mas não acaba aí…
Carlota limpa-toca (Brinque-Book, 2025), novo livro da autora russa Katerina Gorelik, com tradução de Lígia Azevedo, é outro bom exemplo de livro que explora as possibilidades de interagir e brincar com a história. Os pequenos leitores devem se juntar à ratinha, que vai explorando as casas de personagens fantásticos das histórias infantis, enquanto precisam ajudá-la a encontrar diversos elementos em meio às ilustrações cheias de detalhes. Olhe pela janela (Brinque-Book, 2022), outro livro brincante da autora, traduzido por Gilda de Aquino, não faz um convite tão direto à interação, mas envolve os leitores pela surpresa. Pela janela, que deixa ver apenas uma pista do que há dentro de cada casa, tentamos adivinhar o que está escondido no interior - e somos surpreendidos ora com humor, ora com um pouquinho de terror, quando descobrimos que não era bem do jeito que imaginávamos… Mesmo nos livros pop-up, como o clássico O sapo Bocarrão (Companhia das Letrinhas, 1996), de Keith Faulkner e Amelia Best, com tradução de Heloisa Jahn, as crianças podem ter outro tipo de interação com a narrativa - brincando com a boca aberta do sapo, vendo “ganhar vida” elementos importantes da história. E agora, os leitores também podem conhecer A sapinha bocarrão (Brinque-Book, 2025), dos mesmos autores, com tradução de Júlia Moritz Schwarcz, que apresenta a corajosa filhinha do Sapo Bocarrão.
A Sapinha Bocarrão logo que nasce já sai perguntando a cada bicho que é o maior medo deles...
A bibliotecária e biblioterapeuta Silvia Fortes conta que essa possibilidade de brincar com os livros costuma ser bastante agregadora. “É muito comum que uma criança que pega um livro mais interativo chame os amigos para se juntar a ela. O sucesso do livro é a propaganda boca a boca”, conta, a partir de sua experiência como bibliotecária em um colégio do Rio de Janeiro que conta com crianças de muitas idades diferentes. Para ela, essas possibilidades de interação com o livro como objeto tendem a enriquecer a experiência com a própria literatura e podem até servir de porta de entrada para o universo dos livros. “Acho que esses livros mais brincantes podem ser um caminho relevante para apresentar a literatura. Mas é claro que não importa só a brincadeira, mas a escolha de um tema que interesse à criança”, recomenda Silvia.
Para além da presença de recursos manuais, que permitem interagir com os livros de formas diferentes, vale lembrar que há muitos livros que inspiram brincadeiras. Silvia conta que a obra que faz mais sucesso na escola onde trabalha é Telefone sem fio (Companhia das Letrinhas, 2010), de Ilan Brenman com ilustrações de Renato Moriconi, que sempre mobiliza as crianças. “É interessante ver como a partir do livro elas criam muitas histórias - a leitura nunca é igual. Às vezes, as crianças me propõem brincar com elas de telefone sem fio”, reflete. A série O Clube do Pepezinho, indicada para leitores a partir de seis anos, que acaba de chegar ao quinto volume com O Clube do Pepezinho - Influenciadores (Companhia das Letrinhas, 2025), também é um exemplo de livro que pode encorajar tanto brincadeiras como diversas explorações artísticas, a partir das experiências dos personagens do clube.
“O livro pode não só trazer um repertório de brincadeiras para as crianças como resgatar o repertório dos adultos. Quando entramos em contato com essas obras, geralmente por causa das crianças, nos lembramos das brincadeiras que fazíamos”, aponta Bel Coimbra, pedagoga (UFPel) e especialista em Literatura Infantil e Juvenil (UCS), criadora de conteúdos acessíveis sobre literatura infantil e programas de mediação — como o Clube da Bel.
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Seja com abas, seja com recortes que desenham buracos nas folhas, seja com propostas lúdicas em que o leitor é convidado a procurar elementos ou resolver adivinhas: as possibilidades de brincar com o livro são muitas. E em alguns casos, a literatura e a brincadeira se tornam praticamente indissociáveis, oferecendo ao leitor uma experiência de leitura brincante.
Mas quando é que esses recursos manuais engrandecem a história e quando eles podem acabar criando até um certo ruído com a narrativa? Não é uma resposta simples, mas talvez a questão central seja pensar: como esses recursos contribuem com a narrativa? A história poderia ser contada sem eles? Que tipo de relações o leitor pode estabelecer com a história a partir dos recursos disponíveis?
Se, em O carteiro chegou (Companhia das Letrinhas, 2007), de Janet e Allan Allberg, não abríssemos os envelopes e decifrássemos cada correspondências como se também fôssemos destinatários, será que nossa interação com a história seria a mesma? Ou se em Vai embora, grande monstro verde (Brinque-Book, 2009), de Ed Emberley, com tradução de Gilda de Aquino, não assistíssemos ao monstro se materializando e se desconstruindo a partir dos cortes nas páginas, será que o efeito seria o mesmo? Talvez as respostas abram ainda mais possibilidades para pensar sobre os recursos necessários para que uma narrativa funcione. Mas em todos os livros literários, há um fator inegociável: o papel do leitor.
Bel Coimbra nos lembra da máxima sobre leitura de que "um livro só termina de contar o que tem a dizer quando se encontra com o leitor". "Seja com interação, com as brincadeiras, com a história em si, livros que não deixem o leitor ficar em um ponto passivo", reflete Bel. Com abas ou adivinhas, com páginas recortadas ou surpresas escondidas, é sempre essencial que o livro confie no potencial e na capacidade do leitor. “Minha maior preocupação é escolher livros de qualidade, independente das possibilidades de manipulação do objeto. Que seja um livro que não subestime as crianças”, afirma Silvia.
Atire o primeiro marcador de página quem nunca se remoeu por dentro vendo uma criança pequena manipular um livro à sua maneira livre, puxando daqui, esticando a página de lá, virando a folha e... amassando tudo? E se aba descola? E se a folha rasga? E se a capa de solta? E se… Sim, nas mãos de leitores muito novinhos, os livros estão potencialmente sujeitos a um bocado de mutilações - algumas mais graves do que outras. Mas esse risco faz parte da experiência e da própria aprendizagem dos limites - tanto do livro como do leitor.
Bel conta que tem uma amiga que inventou uma espécie de ‘hospital do livro’.. “Cuidar dos livros junto com a criança, explicar que não pode puxar com tanta força porque estraga, tudo isso são também processos educativos. O que poderia ser melhor do que consertar um livro junto com a criança para falar sobre esses limites?”, reflete.
Silvia está de acordo e conta que faz questão de organizar os livros de modo a facilitar sempre o acesso das crianças, para que elas possam explorar livremente. “O livro é para a criança. Quanto mais a gente mexe em uma biblioteca, mais ela cria vida”, reflete. Na biblioteca da escola onde ela trabalha, a pobre eidção de O Sapo Bocarrão nem tem mais boca. “
Oferecer a essa nova geração de leitores a possibilidade de manipular livros de uma forma mais livre pode ajudar a criar inclusive uma outra relação com a leitura. “Aprendi desde pequena a colocar os livros em um local muito sagrado, a só manejá-los com muito cuidado - não pode dobrar, só pode riscar de lápis. Isso ajuda a fixar o livro em um lugar quase intangível, de um objeto que não pode ser criticado, pensado, contestado. É como se tudo o que estivesse em um livro fosse absoluto e o leitor fosse obrigado a aceitar”, reflete Bel. Para ela, poder apresentar às crianças os livros como objetos menos sacralizados e mais ao alcance de todos, com os quais não é necessário ter tanta cerimônia, pode ajudar a mostrar que elas podem concordar, discordar, questionar as ideias que o livro traz, porque ele deixa de estar nesse local de objeto absoluto e intocável. Por outro lado, o cuidado com o livro, com o objeto mesmo, que pode ser "da criança" ou de outra pessoa, de outro amigo, também pode criar um afeto, para ir além da regra por si só.
Afinal, um livro na estante é apenas um objeto.
Mas um livro nas mãos do leitor ganha vida.
(Texto: Naíma Saleh)
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