Mergulhar no tempo das cerejas, por Meritxell Hernando Marsal
Meritxell Hernando Marsal compartilha sobre os desafios do processo de tradução de "O tempo das cerejas"
por Ricardo Mattos
Acordei pensando que era o Tite. E escalei minha seleção preferida, com 11 craques da literatura nacional e internacional. Para merecer a convocação, não bastava esbanjar talento. Também era necessário já ter feito ao menos um texto inspirado no esporte bretão. Como sou brasileiro, privilegiei nossos compatriotas (a seleção é minha, não esqueça). São 8 no total, além de um uruguaio, um argentino e um inglês. Conheça o scratch.
Goleiro: Carlos Drummond de Andrade
É fácil imaginar os centroavantes justificando o placar em branco: “Professor, no meio do caminho tinha um goleiro. Tinha um goleiro no meio do caminho”. E poucos conseguiriam manter a concentração no jogo quando Drummond dissesse a seguinte frase: “Confesso que o futebol me aturde, porque não sei chegar até o seu mistério”.
Lateral direito: João Ubaldo Ribeiro
Sua posição exige fôlego. E ele tem de sobra: Viva o povo brasileiro, sua obra mais famosa, tem 640 páginas. Mas foi no conto “O futuro do futebol” que Ubaldo garantiu sua convocação: “Traçou um, traçou dois, traçou três, traçou quatro e arremessou rasteiro de canhota, sem chance de defesa para o famoso guarda-vala maragogipense Carrapato”.
Zagueiro central: Rubem Fonseca
Em vez do velho xerifão, um delegado aposentado cheio de moral. Com um estilo reto, sem firulas ou meias palavras (mas com a elegância das frases perfeitas), Fonseca ainda possui munição de sobra. Em um conto ele fala sobre o cuspe do tricampeão Gérson, mostrando a diferença de saúde que existe entre craques e aspirantes.
Quarto zagueiro: Ruy Castro
Estudioso, ele conhece seus adversários como ninguém. Além disso, é o típico defensor que não inventa. Somente uma vez fizeram um golaço antecipando-se a ele. Isso foi em 1830, quando Stendhal lançou O vermelho e o negro, um retrato da França pós-revolução. Ou seja, quase 3 séculos antes de Ruy lançar um livro de mesmo nome, sobre o Flamengo.
Lateral esquerda: Eduardo Galeano
Crítico feroz da opressão no continente latino, o uruguaio notabilizou-se por ser contra a opressão também no futebol: “Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico: uma linda jogada, pelo amor de Deus!” Galeano é autor do livro Futebol ao sol e à sombra e está mais para rei do que mendigo.
Volante: Ricardo Piglia
Dono de um estilo forte e sem medo de cara feia, este argentino já combateu a ditadura em seu país. Portanto, dar o primeiro combate nos adversários vai ser moleza. Em um de seus contos, o jogador foi buscar a bola que havia saído de campo e acabou encontrando um cadáver, mas preferiu ficar calado para não atrapalhar a partida.
Meia-armador: João Cabral de Melo Neto
Uma das funções do camisa 8 é cadenciar o jogo, ditar o ritmo. Nessas horas, sensibilidade é tudo. Por esse motivo a escalação do nosso poeta é fundamental. Atento apreciador do futebol, João Cabral dizia que as raras vitórias dos times menores eram saboreadas como “coisa fresca, pele sensível, núbil, nova, ácida à língua qual cajá”
Ponta-de-lança: Nelson Rodrigues
Craque absoluto, ele enxergava o futebol como ele realmente é: repleto de drama, tragédia e redenção. Uma perfeita metáfora da vida. Cronista, romancista, dramaturgo e exagerado, Nelson é um camisa 10 com recursos infinitos. É dele a reveladora frase: “O Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada”.
Ponta direita: Luiz Fernando Verissimo
Quando pensam que ele vai escrever sobre política, Verissimo dá uma gingada e sai pelo humor. E vice-versa. Difícil definir seu estilo. Veloz no raciocínio, ele já deixou muito lugar-comum estatelado no chão. No livro Time dos sonhos: paixão, poesia e futebol, Verissimo brilhou de novo: “Só o futebol permite que você sinta aos 60 anos o que você sentia aos 6.”
Centroavante: Lima Barreto
Solitário, órfão, boêmio e combatente das desigualdades sociais, o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma aprendeu desde cedo a se virar sozinho, qualidade perfeita para um centroavante. Em 1919 ele escreveu a crônica “Uma partida de football”. Eis um dos trechos: “Não há, portanto, nos nossos hábitos, fato mais agradável do que assistir a uma partida de bolapé.”
Ponta esquerda: Nick Hornby
Para furar a resistência de quem não gosta de ler, nada como um escritor habilidoso. O inglês Hornby é torcedor fanático do Arsenal e autor de Febre de bola, em que ele relata como começou sua grande paixão: “Eu me apaixonei pelo futebol como mais tarde me apaixonaria pelas mulheres: de repente, inexplicavelmente, sem aviso, sem pensar no sofrimento e nos transtornos que aquilo ia me trazer.”
Ricardo Mattos nasceu no Rio de Janeiro, em 1968. Mora em São Paulo, é redator publicitário e já publicou na revista Placar.
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